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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Belmiro Carlos lança sonoridade adulta





Belmiro Carlos – aliás, “Nito”, para quem com ele teve a oportunidade de travar uma amizade mais estreita – fez, sábado passado, no Centro de Imprensa Aníbal de Melo, a apresentação pública do seu primeiro álbum a solo intitulado Belos Rumos. 
O “Nito”, dos Combatentes, durante anos meu vizinho do andar de cima no prédio da polícia. O “Nito” que, pela primeira vez, tive a oportunidade de visitá-lo, juntamente com o Carlos Lamartine, para ouvirmos, em primeira mão, duas ou três músicas da autoria do Presidente José Eduardo Santos, para, posteriormente, serem arranjadas por ele e interpretadas pelo Lamartine. O “Nito” que, afinal, já se inseria na primeira equipa de artistas que viabilizaram a Proclamação da UNAC, após o primeiro seminário sobre a música angolana, realizado no Museu de História Natural, em 1979. A UNAC, uma instituição da qual o “Nito” é, hoje, por mérito próprio, seu Secretário-geral. O “Nito”, que, no activo, foi um guitarrista destacado do Agrupamento Kissanguela, um dos mais comprometidos com a causa da autonomização do nosso país. O “Nito” que parecia ter-se tornado apenas um burocrata dos assuntos musicais, surpreende-nos, de repente, com este seu primeiro álbum a solo e mostra-nos que continua a ser um “operário de cultura”. O “Nito” que nos mostrou, que ainda existe nele o bichinho da música e que a sua guitarra não ficou a apanhar pó num qualquer canto da sua casa… Apenas quatro palavras bastavam, no fundo, para qualificar este seu compromisso com a música, assim como o resultado do trabalho deste seu primeiro álbum a solo: Muito bom. Parabéns “Nito”!

A solidariedade
entre os músicos


O facto de eu também ser músico e ter sido escolhido para apresentar publicamente este seu trabalho, constitui, para mim, uma enorme satisfação e confere-me uma responsabilidade acrescida, na medida em que não tem sido hábito, entre nós, músicos, solidarizarmo-nos, abertamente, com os trabalhos produzidos por outros colegas nossos. Preferimos, muitas vezes, que sejam outros, de outras profissões, a falar de nós, como se não fosse possível, mesmo entre nós, acreditar e validar os trabalhos discográficos dos nossos colegas de arte, sem manifestarmos, por vezes, de forma envergonhada, algum desconforto provocado pela inveja ou pela necessidade de competição, como se a música fosse um combate de boxe, para saber, afinal, quem é “o melhor”, “o mais querido”, “o mais badalado”, o que apresenta o maior número de fãs… Coisas que resultam, muitas vezes, do excesso de protagonismo de alguns.
Estamos de facto, a aprender a ser unidos e para tal terá contribuído, necessariamente, o espírito empreendido pela UNAC, instituição que, na procura da dignificação dos artistas e compositores em todo o nosso espaço geográfico, vem ganhando a visibilidade que, desde há muito, se fazia necessária e que para tal tanto contribuiu o nosso falecido companheiro de arte Alberto Teta Lando, devidamente apoiado pelo seu Secretário-geral, Belmiro Carlos, “Nito”, a quem me cabe falar deste seu primeiro trabalho de fôlego.
O céu fica mais lindo quando vimos muitas estrelas a brilhar e não apenas uma. A nossa música só terá mais valor, se, no nosso seio, aparecerem cada vez mais estrelas a brilhar. Umas, certamente, irão brilhar mais do que outras, porque o talento das pessoas não é todo igual. Tal como os estilos de música haverá constelações de estrelas diferentes umas das outras. Todavia, neste nosso espaço de trabalho musical e no desejo de sermos culturalmente mais fortes e mais divulgados, todos nós, temos espaço para coexistir e nos respeitarmos, de acordo com as diferentes culturas e influências que marcarem a nossa própria idiossincrasia e sensibilidade.

Sustentação
 rítmica e melódica 


Há dois aspectos sublinhados pelo jornalista Dias dos Santos, que gostaria aqui de enfatizar: O primeiro diz respeito à passagem do Belmiro Carlos pelos instrumentos de percussão, algo que também ocorreu com Carlitos Vieira Dias, um outro guitarrista de indiscutível excelência. Estou em crer, que o sentido melódico do tema “Mirábilis”, o primeiro que nos é apresentado no CD, bebe muito do apurado sentido rítmico do “Nito”. O segundo aspecto refere-se à sua passagem pelo “África Show”, um grupo que inovou a Música Popular Angolana com a introdução de um teclado, salvo erro, de marca Farfisa, que provocou um maior sentido harmónico e do qual sobressaíram dois outros músicos de excelência: José Massano Júnior e Alberto Teta Lando, este, também conhecido por Kubanza Malaia. A fechar o CD, o tema “Silêncio Sepulcral” mostra bem o quanto a imagem de Teta Lando vive ainda no cenário da memória de Belmiro Carlos e acredito mesmo na memória de todos nós. Um pequeno tema nostálgico, muito bem interpretado, que ao ouvi-lo nos toca no mais profundo dos nossos sentimentos.  
Belmiro Carlos encontrou, certamente, nestes dois músicos, parte da sua trave-mestra para um sentido rítmico e melódico apurado, quer através de José Massano Júnior, quer através de Teta Lando, ambos instrumentistas, intérpretes e compositores, com trabalhos de referência no nosso mercado discográfico. Curiosamente, foram estes três músicos – Teta Lando, Massano Júnior e Belmiro Carlos –, que muito lutaram para que a emergência da dignificação dos nossos artistas se processasse nos dias de hoje com a obtenção das suas carteiras profissionais e deixássemos de ser vistos como indigentes ou pessoas que não gostam de trabalhar. Passamos agora a ser aceites como cidadãos “operários de cultura”.   

Belos rumos,
sonoridades maduras 


Mergulhando directamente nos temas do CD, diria que “Mirábilis” está voltado para os verdadeiros “passistas”, onde o bonito solo de guitarra de “Nito” é complementado por um bom arranjo de metais por ele idealizado, juntamente com um outro grande instrumentista: Betinho Feijó. “Beautiful” é um semba bem cadenciado com metais bem estruturados e uma melodia muito bem trabalhada. Não fosse este tema dedicado à beleza da mulher angolana. “Tónicos de semba” é quase um tema experimental, na mundividência que o semba cada vez mais absorve e na familiarização que apresenta, quando, harmonicamente, mais trabalhado, como o samba, sobretudo, no “staccato” do desenho dos metais. “Cocktail” é um romântico bolero, onde o autor procura fazer sobressair as contradições entre os poucos que muito consomem e os muitos que se arrastam na extrema pobreza. “Doce Melancolia” um semba cadenciado, que, a meio, abre espaço para uma sonoridade bem latino-americana. “Luanda” é um tema de farra e uma homenagem ao Marito do Kiezos. Uma das melodias onde também sobressai a homogeneidade profissional e a qualidade da Banda Maravilha, num ritmo que eles mais gostam de executar: o semba bem cadenciado. “Choros melódicos” é, tal como “Mirábilis”, um tema ao estilo rumba, onde o violino mostra que tem perfeitamente um espaço a ser preenchido na música angolana. “Artefactos em sustenidos”, o penúltimo tema, antes de “Silêncio Sepulcral”, é possivelmente um dos solos mais trabalhados apresentados por Belmiro Carlos. 
Em suma: o disco é criativo, muito bem produzido, muito bem executado e portanto, recomenda-se. Está de parabéns a LS Produções, estão de parabéns todos os músicos que nele trabalharam, está de parabéns o Belmiro Carlos pela sonoridade adulta que soube criar e pôr à nossa inteira disposição, com a arte e a qualidade que, todos nós, nos dias de hoje, passámos a exigir em prol de uma maior afirmação da cultura musical no nosso país.

Publicado no Jornal de Angola, por
Filipe Zau - Compositor musical,  letrista e intérprete

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