Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

INTERVENÇÃO DE FILIPE ZAU NA CERIMÓNIA DO LANÇAMENTO DO CD BELOS RUMOS DE BELMIRO CARLOS




- Caros colegas;
- Minhas senhoras e meus senhores:

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a vossa presença e dizer-vos que constitui para mim uma honra insigne, ter sido convidado pelo próprio autor, Belmiro Carlos – aliás, “Nito”, para quem com ele teve a oportunidade de travar uma amizade mais estreita –, para fazer a apresentação pública do seu álbum intitulado Belos Rumos. O “Nito” que, afinal, durante anos foi meu vizinho do andar de cima no prédio da polícia, nos Combatentes. O “Nito” que, pela primeira vez, tive a oportunidade de visitá-lo, juntamente com o Carlos Lamartine, para ouvirmos, em primeira-mão, duas ou três músicas da autoria do Presidente José Eduardo Santos, para, posteriormente, serem arranjadas por ele e interpretadas pelo Lamartine. O “Nito” que, afinal, já se inseria na primeira equipa de artistas que viabilizaram a Proclamação da UNAC, após o primeiro seminário sobre a música angolana, realizado no Museu de História Natural, se não estou em erro, em 1979. A UNAC, uma instituição da qual o “Nito” é, hoje, por mérito próprio, seu Secretário-geral. O “Nito”, que, no activo, foi um guitarrista destacado do Agrupamento Kissanguela, um dos mais comprometidos com a causa da autonomização do nosso país. O “Nito” que parecia ter-se tornado apenas um burocrata dos assuntos musicais, surpreende-nos, de repente, com este seu primeiro algum a solo e mostra-nos que continua a ser um operário de cultura. O “Nito” que, afinal, está aqui connosco para nos dizer, musicalmente, que ainda existe nele o bichinho da música e que a sua guitarra não ficou a apanhar pó num qualquer canto da sua casa…
Apenas quatro palavras bastavam no fundo para qualificar este seu compromisso com a música, assim como o resultado do trabalho deste seu primeiro álbum a solo: Muito bom. Parabéns “Nito”!

- Caros colegas,
- Minhas senhoras e meus senhores:  

O facto de eu também ser músico e ter sido escolhido para falar deste seu trabalho, constitui, para mim, uma enorme satisfação e confere-me uma responsabilidade acrescida, na medida em que não tem sido hábito entre nós, músicos, solidarizarmos, abertamente, com os trabalhos produzidos por outros colegas nossos. Preferimos, muitas vezes, que sejam outros, de outras profissões, a falar de nós, como se não fosse possível, entre nós, acreditar e validar os trabalhos discográficos dos nossos colegas de arte, sem manifestarmos, por vezes, de forma envergonhada, algum desconforto, provocado pela inveja ou pela necessidade de competição, como se a música fosse um combate de boxe, para saber, afinal, quem é “o melhor”, “o mais querido”, “o mais badalado”, o que apresenta o maior número de fãs, etc., etc.
Estamos, de facto, a aprender a ser unidos e para tal terá contribuído, necessariamente, o espírito empreendido pela UNAC, instituição que, na procura da dignificação dos artistas e compositores em todo o nosso espaço geográfico, vem ganhando a visibilidade que, desde há muito, se fazia necessária e que para tal tanto contribuiu o nosso falecido companheiro de arte Alberto Teta Lando, devidamente apoiado pelo seu Secretário-geral, Belmiro Carlos, “Nito”, a quem me cabe falar hoje deste seu primeiro trabalho de fôlego.
O céu fica mais lindo quando vimos muitas estrelas a brilhar e não apenas uma. A nossa música só terá mais valor, se no nosso seio aparecerem cada vez mais estrelas a brilhar. Umas certamente irão brilhar mais do que outras, porque o talento das pessoas não é todo igual. Tal como os estilos de música haverá constelações de estrelas diferentes umas das outras. Todavia, neste nosso espaço de trabalho musical e no desejo de sermos culturalmente mais fortes e mais divulgados, todos nós temos espaço para coexistir e nos respeitarmos, de acordo com as diferentes culturas e influências que marcarem a nossa própria idiossincrasia e sensibilidade.

- Caros colegas,
- Minhas senhoras e meus senhores:

Tem sido hábito, nestas ocasiões sublimes, fazer-se uma retrospectiva, mais ou menos completa, da vida artística do autor do trabalho discográfico que apresentamos. Todavia, achei por bem não o fazer, porque, com o devido esmero, o jornalista Dias dos Santos, por quem nutro um enorme respeito, já o fez com a eficiência necessária, produzindo um bonito texto, suficientemente elucidativo, das diferentes etapas passadas pelo Belmiro Carlos no decurso da sua trajectória musical. Ao comprarem o disco, vão ter a oportunidade de ler e eu não quero, de forma alguma roubar-vos esse prazer. Assim sendo, considero que seria redundante para um mesmo contexto, produzir e apresentar, aqui, um novo texto, que apenas seria diferente nas palavras utilizadas, mas que, objectivamente, nada traria de novo para a apresentação pública deste bom trabalho do Belmiro Carlos. Contudo, há dois aspectos sublinhados pelo nosso amigo Dias dos Santos, que gostaria aqui de enfatizar:
- O primeiro diz respeito à passagem do Belmiro Carlos pelos instrumentos de percussão, algo que também ocorreu com Carlitos Vieira Dias, um outro guitarrista de indiscutível excelência. Estou em crer, que o sentido melódico do tema “Mirábilis”, o primeiro que nos é apresentado no CD, bebe muito do apurado sentido rítmico do “Nito”.
- O segundo aspecto refere-se à sua passagem pelo “África Show”, um grupo que inovou a Música Popular Angola com a introdução de um teclado, salvo erro, de marca Farfisa, que provocou um maior sentido harmónico e do qual sobressaíram dois outros músicos de excelência, que tive a oportunidade de conhecer bem: José Massano Júnior com quem muito aprendi no início dos anos 70, em Lisboa, quando fui músico do Duo Ouro Negro e estive com ele integrado no projecto Blackground; e Alberto Teta Lando, também conhecido por Kubanza Malaia, com quem tive a oportunidade de conviver e ter sido por ele convidado para registar um comentário no seu último disco de “Memórias”. O tema “Silêncio Sepulcral”, a fechar o CD do “Nito”, mostra bem o quanto a imagem de Teta Lando vive ainda no cenário da sua memória e acredito mesmo de todos nós. Um pequeno tema nostálgico, muito bem interpretado, que ao ouvi-lo toca-nos no mais profundo dos nossos sentimentos. 
Belmiro Carlos encontrou, certamente, nestes dois músicos, parte da sua trave-mestra para um sentido ritmo e melódico apurado, quer através de José Massano Júnior, quer através de Teta Lando, ambos instrumentistas, intérpretes e compositores, com trabalhos de referência no nosso mercado discográfico. Curiosamente, foram estes três músicos: Teta Lando, Massano Júnior e Belmiro Carlos, que muito lutaram para que a emergência da dignificação dos nossos artistas se processasse nos dias de hoje, para que, com a obtenção das carteiras profissionais, deixássemos de ser vistos como indigentes ou pessoas que não gostam de trabalhar e passássemos a ser aceites como cidadãos “operários de cultura”.     
                As minhas últimas palavras, como não poderia deixar de ser, reservo-as, uma vez mais, para este trabalho, que o Belmiro Carlos vai dar a conhecer a todos os amantes da música através desta cerimónia de lançamento.
Mergulhando directamente nos temas do CD, diria que “Mirábilis” é um tema voltado para os verdadeiros “passistas”, onde o bonito solo de guitarra de “Nito” é complementado por um bom arranjo de metais por ele idealizado, juntamente com um outro grande instrumentista: Betinho Feijó.
“Beautiful” é um semba bem cadenciado com metais bem estruturados e uma melodia muito bem trabalhada. Não fosse este tema dedicado à beleza da mulher angolana.
“Tónicos de semba” é quase um tema experimental na mundividência que o semba cada vez mais absorve e na familiarização que apresenta, quando harmonicamente mais trabalhado, como o samba, sobretudo, no contratempo e “staccato” do desenho dos metais.
“Cocktail” é um romântico bolero, onde o autor procura fazer sobressair as contradições entre os poucos que muito consomem e os muitos que se arrastam na extrema pobreza.
“Doce Melancolia” um semba cadenciado, que, a meio, abre espaço para uma sonoridade bem latino-americana.
“Luanda” é um tema de farra e uma homenagem ao Marito do Kiezos. Uma das melodias onde também sobressai a homogeneidade profissional e qualidade da Banda Maravilha, num ritmo que eles mais gostam de executar: o semba bem cadenciado.
“Choros melódicos” é, tal como Mirábilis, um tema ao estilo rumba, onde o violino, mostra que tem perfeitamente um espaço a ser preenchido na música angolana.
“Artefactos em sustenidos”, o penúltimo tema, antes de silêncio sepulcral, é, possivelmente, um dos solos mais trabalhados apresentados por Belmiro Carlos. Em suma: o disco é criativo, muito bem produzido, muito bem executado e portanto, recomenda-se.
Está de parabéns a LS Produções, estão de parabéns todos os músicos que nele trabalharam, está de parabéns o Belmiro Carlos pelo bonito trabalho que soube criar e por à nossa inteira disposição, com a arte e a qualidade que todos nós, nos dias de hoje, passámos a exigir, em prol da afirmação da cultura do nosso país.
A todos muito obrigado pela atenção dispensada.   

Sem comentários:

Enviar um comentário