Agora que com o advento da III República
galgamos inexoravelmente mais uns palmos no projecto de corporização do Estado
de Direito, consagrado na nossa Constituição , vamos formando fila, para
reivindicar do Estado Angolano, se necessário, um reparo, uma indemnização, por
danos que daqui por diante causar a Classe Artística, por novas omissões.
Para os artistas, , a máquina administrativa do
Estado chegou, até aqui, impiedosamente trituradora.
Muitos astros da velha guarda, que brilharam no
tempo da outra senhora, em que a actividade artística se desenvolvia apenas na
base do mérito, e das leis do mercado, morreram sem honra nem glória, como
pedintes, enclausurados na escória da sociedade.
Hoje, muitos jovens talentosos, ainda na casa
dos quarenta, foram prematura e violentamente arremessados à prateleira , numa
tenebrosa escuridão que náo os deixa ver
a banda a passar e, com o pé no trilho
da desgraça, vão experimentando o sabor amargo dos primeiros sinais de pobreza,
frustração e, marginalização e desprezo
social.
Se, se
pretender sair da Mutamba, para não se confundir a árvore com a floresta, temos
ainda que registar o aborto e o desvio para
outras áreas do saber, de milhares de talentos, que hoje estariam a colorir os
acinzentados canteiros do nosso mosaico cultural, País adentro.
Tudo isso aconteceu porque houve omissão do
Estado na aplicação das Leis e Decretos que ele próprio criou, promulgou e
exarou para organizar a actividade artística no País. E, para piorar a situação, mesmo com essa
flagrante desumanização da Classe, efectuada numa lógica que aos seus membros
responsabiliza e culpabiliza das
incertezas do amanhã, muitos artistas, se não mesmo a maioria que se encontra
no activo, continua embriagada pelo brilho dos holofotes , e quais patos
“chuchados”, continuam em direcção à guilhotina, sem se dar conta do quão é movediço o terreno por
onde destilam o seu charme e perfume,
hoje e por enquanto, altamente voláteis.
O momento histórico tinha congelado também o
exercício da cidadania no seio da Classe artística que, na sequência, viu
instalado o sentimento egoísta do salve-se quem puder, a ausência de
solidariedade, a vassalagem a princípios
de mercado nada republicanos, etc, etc.
Nesse momento, parece existirem condições para que
se coloque um ponto final à funesta marcha, e se corrija o que está mal e se
melhore o que está bem, também no domínio da organização, gestão e promoção
artística no País.
Um mea-culpa por parte do Estado,
consubstanciado em esforços reais para a aplicação das Leis e Decretos que ele
próprio criou, aprovou, promulgou e não
aplicou , seria uma almofada para baforadas de grande fôlego , para a melhoria
das condições sócio-profissionais e económicas dos actuais e futuros artistas
angolanos.
Abstraiamo-nos das imagens projectadas pelo
lamaçal desse entrelaçado labirinto que acabamos de percorrer, e deixemo-nos
calibrar para uma outra dimensão, virtual, em companhia das propaladas Leis .
Concentremo-nos, para o efeito, apenas nas que
esse vosso humilde servo modestamente ousou compulsar e arrolar, para facilitar
esse exercício:
Lei
Geral do Trabalho - Artigo 11º - (Este artigo estabelece que a actividade artística
em espectáculo público é realizada na base de
relações jurídico-laborais de carácter especial, regulamentada à luz dos
princípios e dos direitos fundamentais reconhecidos pela nossa Constituição). Se
fosse cumprido Já estaríamos livres das vigarices dos falsos “empreendedores
culturais”, das injustiças na determinação do tempo para a reforma dos artistas,
teríamos a situação das pensões regularizada,
bem como do trabalho fixo e intermitente, enfim... um Regulamento sobre o
regime dos contratos de trabalho e segurança social dos trabalhadores da arte
do espectaculo
-
Lei do
Mecenato – Lei n.º 8/12, ( Lei que introduziu incentivos de
natureza fiscal e apoios que são concedidos pelo Estado no âmbito do Mecenato,
a todos aqueles que procedam liberalidades com vista o fomento, valorização
e promoção da Cultura ) . Quem sabe disso... quem (se)beneficiou disso...
-
Lei nº15/14
– Lei dos Direitos de Autor e Conexos (Lei que Regula a protecção dos direitos de
autor e conexos, e determina que pela utilização de obras de natureza
intelectual e artístico-cultural. aos autores é devida uma remuneração). Continua tudo como no tempo de kaprandanda:
os usuários e os grandes operadores continuam a se lambuzar da nossa força de
trabalho, suor e lágrima, na nossa cara, e o Estado...nhete!
-
Despacho
conjunto nº 364/12 de 18 de Abril do MAPESS e MINCULT
(Cria a Carteira Profissional de Artista – Um instrumento que pode facilitar,
sobremaneira, a organização e a estruturação da Classe , o acesso ao
trabalho artístico, à Banca, a casa própria… a valorização e dignidade da
profissão de artista no Pais). Artista, não é profissão, cara!...
-
Declaração
de Luanda dos Ministros da Cultura e das Finanças da CPLP (Acordam a
criação de facilidades para a mobilidade dos artistas nos PALOP , transformando
esse espaço num elemento de reforço da amizade e irmandade entre os nossos
Povos, e de aumento de renda dos nossos artistas). Alguém por aí ouviu falar em
subsídios dos bilhetes de passagens da nosssa companhia de bandeira , e , ou em desagravamento e isenção de taxas
aduaneiras, para os artistas?!
Se essas acções fossem implementadas não temos
dúvidas que o ambiente artístico no País seria outro e a vida dos artistas
angolanos também .
Diante dessas evidências, e como antes tarde do
que nunca, no quadro da exortada participação popular na gestão da coisa
pública, na senda dos esforços em curso para se CORRRIGIR O QUE ESTÁ MAL E
MELHORAR O QUE ESTÁ BEM ,não seria nenhuma heresia sugerir a constituição de
uma Comissão de Trabalho Multidisciplinar (duvidamos que o MINCULT tenha
recursos humanos e financeiros para
arcar com tal empreitada) para se corrigir essa inusitada e horripilante
gafe , a vêr se, de uma vez por todas...
... Uma abençoada brisa põe fim à praga de omissões
do Estado, que, anos a fio , ajudou a que prematura e intempestivamente se
apagasse o brilho de muitas estrelas preciosas no seio da Classe Artística
Angolana .
Belmiro Carlos
Músico e compositor
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